quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Abraçar os nossos Limites

Nas minhas aulas de Yoga digo muitas vezes aos alunos para estarem atentos aos sinais do seu corpo e respeitarem os seus limites e, há dias, tomei consciência de que esta referência aos limites é, quase sempre, encarada de uma forma negativa na maior parte dos contextos. Não gostamos muito que nos lembrem que temos limites e, muitas vezes nas aulas de Yoga, é incentivada a ideia de que podemos sempre ultrapassar os nossos limites levando o corpo a fazer coisas que nunca imaginámos serem possíveis. É verdade que à medida que vamos praticando com regularidade vamos ficando mais em forma e - partindo do princípio que temos uma prática equilibrada - vamos ganhando mais flexibilidade e força que nos permitem ir mais longe do que quando começámos. Mas também é verdade que, por muito que fiquemos em forma, existem sempre limites que nunca poderemos ultrapassar. Paul Grilley chama a atenção para o facto de existirem no nosso corpo os chamados pontos de compressão que nos impedem de fazer certas posições por mais que nos esforçemos. Estes pontos de compressão são diferentes para todas as pessoas, para ter uma ideia do que estes implicam, pode experimentar pôr-se na posição de cocóras com os pés unidos e verificar se consegue colocar toda a planta do pé no chão ou apenas a parte da frente. São justamente os pontos de compressão - da articulação do tornozelo, neste caso – que permitem ou impedem o pé de ficar totalmente em contacto com o chão. Nesta posição o facto de sermos capazes de colocar a planta do pé totalmente no chão, não depende tanto da flexibilidade como dos tais pontos de compressão que são zonas onde os ossos da articulação se tocam impedindo que haja uma maior amplitude de
movimentos. Isto quer dizer que até podemos melhorar um pouco a flexibilidade dos músculos envolvidos na posição, mas nunca passaremos dos limites que nos são permitidos pelos nossos pontos de compressão. No ballet, por exemplo, quando as crianças começam a dançar os professores, ao fim de pouco tempo, são capazes de distinguir aquelas que podem continuar e investir num percurso profissional daquelas que têm um tipo de corpo que nunca lhes permitirá ser bailarinos profissionais. Uma criança que faça ballet a sério há algum tempo e que não consiga fazer a espargata, por exemplo, é posta de parte porque se sabe que, por muito que trabalhe, nunca virá a ser capaz de a fazer.
Para além destes pontos de compressão, existem outros limites naturais para o nosso corpo em função do tipo de vida que levamos, da idade, da saúde, do género, etc.
Então porque é que temos tanta dificuldade em aceitar que o nosso corpo tem limites? E porque é que estes têm tendência para ser vistos como algo de negativo?

Na nossa vida diária estamos muito habituados a funcionar com objectivos e, muitas vezes temos tendência para aplicar este modo de funcionar também à nossa prática. Porque vimos imagens de pessoas em revistas ou na internet a fazer coisas díficeis com o corpo e que nos parecem bonitas e porque muitas vezes, nas próprias aulas de Yoga, é veiculada a ideia de que precisamos de ser bastante flexíveis e de por as pernas atrás da cabeça para sermos saudáveis, acabamos por querer forçar-nos a atingir essas metas. Mas uma prática de Yoga saudável e equilibrada não depende de sermos capazes de por as pernas atrás da cabeça, de fazermos o pino ou a espargata. Na verdade, muitas destas posições que são divulgadas não têm grandes benefícios e podem ser mesmo prejudiciais levando ao aparecimento de lesões e de problemas musculares ou articulares. O excesso de flexibilidade, se não houver um tónus muscular adequado pode contribuir para que apareçam mais facilmente lesões e desiquilíbrios nas articulações que ficam como que desprotegidas.             Quando fazemos Yoga, mais do que a preocupação com a estética, que tantas vezes está presente, devemos preocupar-nos com a construção de um corpo verdadeiramente saudável e esta saúde não passa por posições de contorcionismo daquelas que ficam bonitas nas capas de revista mas que não trazem nenhum benefício verdadeiro para o corpo. Os exercícios mais simples muitas vezes são os mais eficazes para restaurar a saúde e o equilíbrio no nosso corpo.
E, do ponto de vista da saúde psicológica, é importante também sermos capazes de aprender a deixar de lado as metas, os objectivos que estamos tão habituados a impor a nós mesmos no dia-a-dia. É importante sermos capazes de deixar fora da sala a atitude de ginásio, de quem quer ir sempre mais longe, de quem quer fazer melhor porque, se procuramos o Yoga como uma prática que nos ajude a crescer, a ser mais felizes e a relaxar verdadeiramente então é fundamental que a usemos para aprender a aceitar: a aceitar o nosso corpo tal como ele é, não como gostaríamos que fosse. Aceitar os nossos limites e abraçá-los como algo de precioso que nos pode ensinar a estar presentes de outro modo, que nos pode ensinar a conhecermo-nos de forma mais profunda e completa. E abraçar os nossos limites como uma parte integrante de quem somos e de onde estamos, agradecendo-lhes por essa informação preciosa que nos dão se estivermos dispostos a ouvi-la. Só através dessa aceitação é que um dia poderemos verdadeiramente transcender os nossos limites, não de um ponto de vista físico (porque o nosso corpo estará para sempre sujeito às leis da física) mas de um ponto de vista mental ou espiritual que é o que verdadeiramente conta.

Laura Sanches

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